A Bela Dorotéia

XXV

A BELA DOROTÉIA


O sol atormenta a cidade com sua luz direta e terrível; a areia está resplandecente e o mar brilhando como um espelho. O mundo estupefato verga-se, covardemente, e faz a sesta; uma sesta que é uma espécie de morte saborosa onde o homem adormecido, meio acordado, saboreia as volúpias de seu aniquilamento.
Entretanto, Dorotéia, forte e altiva como o sol, avança na rua deserta, único ser vivo a essa hora sob o imenso céu azul, fazendo sobre a luz uma sombra brilhante e negra.
Ela avança, balançando molemente seu torso tão fino, sobre suas ancas tão amplas. Seu vestido colante de seda, de tom claro e róseo, contrasta vivamente com as trevas de sua pele e modela exatamente seu longo talhe, o dorso côncavo e os seios pontudos.
Seu guarda-sol vermelho, diminuindo a luz, projeta sobre uma face sombria as cores sangrentas de seus reflexos.
O peso de sua enorme cabeleira, quase azul, puxa para trás sua cabeça delicada e lhe dá um ar triunfante e preguiçoso. Pesados brincos chilreiam secretamente para suas orelhas graciosas.
De tempo em tempo, a brisa do mar ergue um canto de sua saia flutuante e mostra sua perna luminosa e soberba; e seu pé, igual aos pés das deusas de mármore que a Europa enclausura nos museus, imprime fielmente sua forma sobre a areia fina. Porque Dorotéia é tão prodigiosamente coquette que o prazer de ser admirada sobrepõe-se nela ao orgulho de ser libertada e, embora livre, ela anda descalça.
Ela vai, assim, harmoniosamente, feliz por estar viva e sorrindo, com um branco sorriso como se visse, ao longe, no vazio, um espelho refletindo seus passos e sua beleza.
A hora em que mesmo os cães gemem de dor sob o sol que os morde, que possante motivo faz, então, a preguiçosa Dorotéia ir assim, bela e fria, como se feita de bronze?
Por que deixou ela sua pequena cabana tão faceiramente arrumada, onde as flores e as esteiras fazem a pouco custo um perfeito quartinho; onde ela tanto se apraz em pentear-se, em fumar, em abanar-se ou olhar pelo espelho seus grandes leques de plumas, enquanto o mar, que bate na praia, a cem passos dali, faz a seus devaneios indecisos um potente e monótono acompanhamento, e que a marmita de ferro, cozinhando um guisado de caranguejos com arroz e açafrão, envia-lhe, do fundo da cozinha, seus perfumes excitantes?
Talvez ela tenha um encontro com algum jovem oficial que, em longínquas praias, ouviu falar, por seus camaradas, da célebre Dorotéia. Infalivelmente, ela suplicará, à simplória criatura, que ele lhe descreva o baile da Ópera e lhe perguntará se se pode ir lá de pés descalços como nas danças de domingo, onde as velhas negras de Cafres (África) tornam-se ébrias e furiosas de alegria; e ainda se as belas damas de Paris são rodas mais belas do que ela.
Dorotéia é admirada e acarinhada por todos e seria completamente feliz se não fosse obrigada a empilhar tostão sobre tostão para resgatar sua irmã, agora com onze anos, já crescida e tão bela! Ela conseguirá, sem dúvida, a boa Dorotéia; mesmo sendo o dono da criança tão avaro, tão avaro que não compreende outra beleza que não seja a do dinheiro.

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