O Tirso*

XXXII

O TIRSO

A Franz Liszt

O que é um tirso? Segundo o senso moral e poético, é um emblema sacerdotal na mão de padres ou freiras que celebram a divindade da qual são intérpretes e servidores. Mas, fisicamente, não é mais do que um bastão, um simples bastão, ramo de lúpulo, tutor de parreira, seco, duro e reto. Em volta desse bastão, de seus caprichosos meandros, caules e flores brincam e divertem-se, os primeiros sinuosos e fugidios, as segundas penduradas como sinos ou taças viradas. E uma glória espantosa brota dessa complexidade de linhas e de cores, tenras ou brilhantes. Não se poderia dizer que a linha curva e a espiral cortejam a linha reta e dançam em torno dela em uma adoração muda? Não se poderia dizer que todas essas corolas delicadas, todos esses cálices, explosões de perfumes e de cores executam um místico pagode em torno do bastão hierático? Entretanto qual é o mortal imprudente que ousará decidir se as flores e os caules foram feitos para o bastão ou se o bastão não é senão um pretexto para mostrar a beleza das parras e das flores? O tirso é a representação de vossa espantosa dualidade, mestre poderoso e venerado, caro Bacante da Beleza misteriosa e apaixonada. Jamais uma ninfa exasperada pelo invencível Baco deixou de sacudir seu tirso sobre as cabeças de suas companheiras endoidecidas com tanta energia e capricho quanto você agita seu gênio sobre os corações de seus irmãos. O bastão é a sua vontade reta, firme e inabalável; s flores são o passeio da fantasia ao redor de sua vontade; o elemento feminino executando, em torno do macho, suas piruetas prestigiosas. Linha reta e linha arabesca, intenção e expressão, rigidez da vontade, sinuosidade do verbo, unidade do fim, variedade dos meios, amálgama todo-poderosa e indivisível do gênio, que analista teria a detestável coragem de vos dividir e de vos separar?
Caro Liszt, através das brumas, além dos rios, acima das cidades onde os pianos cantam vossa glória, onde as impressoras traduzem vossa sabedoria, em qualquer lugar que estejais, no esplendor da cidade eterna ou nas brumas de países sonhadores que Gambrinus consola, improvisando cantos de deleite ou de inefável dor, ou confiando ao papel vossas meditações abstrusas, cantos de Volúpia e de Angústia eternos, filósofo, poeta e artista, eu vos saúdo na imortalidade.
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*tirso
(latim thyrsus, -i, haste das plantas)
s. m.
1. Curto venábulo adornado de pâmpanos e hera e terminado em pinha que as bacantes traziam na mão.
2. Insígnia de Baco.
3. Bot. Disposição das flores em forma de pirâmides ou panícula cónica como no castanheiro, no lilás, etc.
(Dic. Priberam)

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