Cada um com sua quimera

VI

CADA UM COM SUA QUIMERA


Sob um grande céu cinzento, uma grande planície empoeirada, sem trilhas, sem gramado, sem um cacto, sem uma urtiga, encontrei alguns homens que caminhavam curvados.
Cada um deles levava às costas uma enorme Quimera, tão pesada quanto um saco de farinha ou de carvão ou os apetrechos de um soldado romano.
Mas a monstruosa besta não era um peso inerte, ao contrário, ela envolvia e oprimia o homem com seus músculos elásticos e potentes; ela agarrava-se ao peito de sua montaria, com suas duas vastas garras e a cabeça fabulosa sobrepunha-se à fronte do homem, como um desses capacetes horríveis com os quais os antigos guerreiros esperavam aumentar o terror dos inimigos.
Questionei um desses homens e perguntei-lhe para onde iam assim, Ele me respondeu que de nada sabia, nem ele nem os outros; mas que, evidentemente, iriam a algum lugar, pois eram impulsionados por uma invencível vontade de andar.
Coisa curiosa de se anotar: nenhum desses viajantes tinha um ar irritado contra a besta feroz pendurada em seu pescoço e colada às suas costas. Dir-se—ia que as consideravam como fazendo parte deles mesmos. Todas essas faces fatigadas e sérias não testemunhavam qualquer desespero; sob a cúpula ente- diante do céu, os pés afundados na poeira de um chão também tão desolado quanto este céu, eles caminhavam com a fisionomia resignada dos que são condenados a esperar sempre.
E o cortejo passou a meu lado e se afundou na atmosfera do horizonte, no local onde a superfície arredondada do planeta se furta à curiosidade do olhar humano.
E durante alguns instantes eu me obstinava em querer compreender este mistério, mas logo uma irresistível indiferença se abateu sobre mim e eu fiquei mais pesadamente oprimido do que eles próprios por suas esmagadoras Quimeras.

3 comentários:

  1. E então resolvi caminhar com a quimera da indagação indignada.

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  2. Não gostei dessa tradução. Engraçado como apenas algumas palavras fazem tanta diferença

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  3. Eu e minha quimera
    Acordei e olhei o celular, não dei bom dia a ninguém. Rapidamente escovei os dentes e me vesti. Mais um dia comum. Olhei o celular durante o trajeto de ônibus para o trabalho. Tantas pessoas dentro do ônibus, mas minha cabeça encurvada só faz uma coisa: olha celular. Há dias vinha sentindo umas fisgadas na parte posterior do meu pescoço, mas hoje, senti uma leve pressão, sem dor, foi algo sutil, alguma coisa estava mudando, então senti levemente um estalar na coluna cervical, começou a encurvar; são 31 anos de cabeça encurvada! Rapidamente procurei o celular para entender o que estava acontecendo, mas o cerceamento da polícia virtual não deixa que falem sobre isso, nos querem cativos. Duas ou três pessoas do meu reduzido círculo de amizade, relataram o mesmo problema. Não quis ir ao médico, pois já suspeitava do que estava acontecendo; a mulher que vê áurea disse que estou com um peso, uma quimera alojou-se em meu pescoço. Eu nem sentia, pois chegou tão devagar e foi acomodando-se, instalando como se baixa um arquivo pesado, lentamente chegou e se acomodou acostumando-se como o calor do meu corpo, com o meu suor, com a minha energia. A mulher que vê áurea disse que ela tem garras presas ao meu corpo, essa quimera é grande e oponente, mas nem sinto, estamos numa simbiose forçada. Não percebo nada maléfico. Mas me sinto que sou forçado a manusear o celular a todo momento. Percebo que caminho a vaguear sem destino, apenas vou, cabisbaixo e acreditando que chegarei a algum lugar, mas não sei onde. Apenas caminho.

    Jair Paim. Inspirado no poema em prosa de Charles Baudelaire: “Cada um com a sua quimera”.

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