O Espelho

XL

O ESPELHO.

Um homem pavoroso entra e mira-se no espelho:
“Por que você se olha no espelho já que não se pode ver senão com desgosto?”
O homem pavoroso respondeu: “Meu senhor, segundo os imortais princípios de 89, todos os homens são iguais em seus direitos; portanto possuo o direito de me contemplar, com prazer ou desgosto, isso não diz respeito senão à minha consciência.”
Em nome do bom senso, eu tinha, sem dúvida, razão; mas do ponto de vista da lei, ele não estava errado.

Um comentário:

  1. Na leitura do Spleen de Paris, o conceito moderno de “égalite” surge várias vêzes. Talvez no poema “a perda da auréola” ele se faz notar com mais nitidez. Concentrar-me-ei entretanto em um outro poema - Le Miroir - O Espelho, que me parece mais emblemático ainda, onde não existe a distinção entre um poeta e o povo como no caso da auréola, é um combate com o olhar de um “voyeur” e um homem comum, talvez um bêbado.
    Trata-se da resposta que um homem desprezível dá a seu altivo observador “ Monsieur, d’après les immortels principes de 89, tous les hommes sont égaux en droits “ - Meu senhor, depois dos princípios de 89, todos os homens são iguais em direitos. Trata-se aqui de uma questão cara aos franceses, a revolução de 1789, com seu princípio “liberdade, igualdade e fraternidade”. Não se discute aqui se o estranho tem ou não o direito à liberdade. Porém o que importa é a igualdade, somos humanos mortais e iguais. Nos setenta anos que separam a revolução, que corta a cabeça do rei, e o burburinho da grande cidade de Baudelaire, um amontoado de gente de todas as qualificações disputando o mesmo espaço, a França, Paris em particular, atravessou vários movimentos, dentre eles a restauração da monarquia. O espírito aristocrático como poder político já estava morto, porém tinha com ele enterrado muitas vezes o bom gosto e vulgarizado a arte. Daí a reação de Baudelaire, em uma interlocução com Descartes que se pergunta como discordamos de tudo se o “bons sens” o bom senso é uma faculdade acessível a todos os homens. Baudelaire era consciente que o poeta, o escritor, não mais se distinguia da massa, era um igual. Porém reservava-se ao direito de julgar o bom gosto e mostrar o ridículo a todos, burgueses, que assinavam os jornais, e os homens comuns.

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